Da morte

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Já sei que no fim me vou sentir deprimida e que virão à tona da memória momentos do passado pouco agradáveis, mas há textos que me levam a reflectir no que de mais certo nos espera quando respiramos pela primeira vez cá fora.

A morte bateu-me à porta quando tinha 13 anos. Até lá, as mortes dos meus avôs paterno e materno não foram conscientemente vividas. Não me lembro de ter sofrido, como supostamente todos nós devemos sofrer quando morre um familiar. A morte bateu-me à porta quando a mãe da minha melhor amiga, a São, faleceu, tinha esta também 13 anos. Não se vive a morte dos outros, mas sofre-se profundamente com os amigos, como foi o caso.

A morte voltou a bater-me à porta há três anos e meio, com o desaparecimento da minha própria mãe. Chorei, berrei, amaldiçoei um suposto Criador omnisciente e omnipresente e inantingível e invisível e cruel, senti um vazio como nunca antes tinha sentido. E nunca mais os natais foram os mesmos. Por muito que finja, o nó na garganta teima em não me deixar.

Desde essa altura que a morte tem, com demasiada frequência, invadido a minha mente: a minha própria morte, a dos que estão mais próximos de mim, a daqueles que mais amo. Tenho medo da morte, tenho medo de saber que vou morrer, tenho medo de mortes estúpidas como a da mãe da minha amiga, tenho medo de mortes lentas como a da minha mãe. Não gosto de ter consciência de que com a minha morte, não verei outros crescer e viver plenamente.

Tenho para mim que a morte física é o fim de tudo: coloca-se um corpo numa caixa de madeira que acaba debaixo da terra. Ou crema-se. E acabou. Não há mais nada. Haver há, mas só para quem fica: as lamúrias, as saudades, as boas recordações, as imagens que criámos da pessoa defunta.

Da minha mãe, também recordo um corpo decrépito que em nada correspondia à sua idade e à sua força gigantesca de viver, uma mente que, antes de atingir a fase terminal, funcionava a 200 à hora, uma pessoa frenética, lutadora, quase sempre incansável, com objectivos que raríssimas vezes não alcançou. A sua própria mãe conseguiu vencer uma batalha contra a morte, a minha mãe não conseguiu vencer a dela.

Se há algo para lá da morte, só o vou saber uma vez. Mas até lá, há que aproveitar bem e dizer muitas vezes a quem mais se estima as palavras que nunca disse à minha mãe!

7 responses »

  1. O «para lá da morte» não passa de um bálsamo para a dor da perda e do inconformismo (e, vá lá, falta de humildade) em aceitar-nos tal como somos: matéria orgânica à espera de se transformar em estrume. Muito pouco diferentes de uma vaca, uma melga ou de um cepo apodrecido de uma outrora frondosa árvore.

    É aproveitar enquanto cá andamos e fazer por deixar (se estivermos para aí virados) uma boa recordação aos que cá ficam.

  2. A morte é o fim de tudo para ti e o fim de nada para muitos. Se é o fim de tudo, sorte a tua que tiveste esse tudo. E nesse tudo, muitas coisas não serão perecíveis. Já pensaste que este blog pode sobreviver para além da tua vida?

  3. Só hoje regressei a este teu canto… lamento a tua perda e a dor q ainda sentes… acho q uma dor dessas nc desaparece… e fico sem palavras pois tb eu n sei lidar c a morte… Sorri com as recordações que tens e vive ao máximo a tua vida.

  4. Os olhos da morte sao incolores, insensiveis, repletos de vazio sentido, e olham-te como se fosses feito de cinza que o vento levanta.

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