Sem mais nem menos, sem nenhum sinal que os antecedesse ou fizesse prever a sua vinda, tanto o Zezinho como o Ricardinho voltaram a aparecer na aldeia que os tinha visto nascer. Disse quem apreciou a aproximação daqueles dois “estranhos” que eles não pareciam ser nada de confiança: o seu aspecto de vagabundos famintos, vestidos de negro da cabeça aos pés, a precisarem de levar com uma mangueirada pelo costelo abaixo, fez voltar muitas cabeças para trás. E de facto, ao princípio, ninguém os reconheceu. Estavam mais altos, mais espadaúdos. Um tinha deixado crescer o seu cabelo escuro e trazia-o atado num rabo-de-cavalo sebento, diga-se. A barba ainda rarefeita, espalhada aqui e acolá, já lhe dava um certo ar de rapazola gingão, de alguém que já apreciava prazeres terrenos. Estava magrito, notavam-se-lhe os maxilares salientes, bem como as mãos compridas, com dedos finos e unhas algo sujas e maltratadas. Já o outro parecia não ter crescido nem um centimetro; continuava o meia-leca do costume, mas com mais 15 quilos em cima, à vontade. As bochechas bem rechonchudas e vermelhas, sinal de saúde, não enganavam ninguém: por onde quer que ele tivesse andado, este rapaz tinha tratado muito bem de si próprio. Cabelo aparado, face barbeada, sorriso de orelha-a-orelha…bem diferente do rapazito introvertido de há uns tempos atrás. Traziam ambos sacos de viagem, bem recheados, com quê é que não se percebia.
E lá vinham os dois, estrada acima, pela única estrada que cortava a aldeia, numa alegre cavaqueira, a esbracejarem, com passos firmes, como se regressassem a casa num dia normal. Cumprimentaram amigavelmente quem os micava e sobre eles cochichava e dirijiram-se às suas casas, ambas situadas no final da ruela. E só assim é que os velhotes e as velhotas, sentados nos seus bancos de pedra, extensões das casas, com ar de embasbacados, de quem tinha visto fantasmas, finalmente reconheceram aqueles dois gaiatos que, do mesmo modo que desapareceram, repentinamente apareceram.